"Libras deveria ser ensinada nas escolas!" — e fecha as redes sociais
É incabível esperar que a Educação e apenas ela seja responsável por resolver os problemas da comunidade surda.
Você não entendeu muito esse título né?
Mas mesmo assim você entrou aqui pra ler e isso já é ótimo, logo você compreenderá. Indo direto ao assunto, tempos atrás estava rolando a timeline do falecido passarinho azul, quando me deparo com o seguinte fio de tweets:
“OK, e onde está o problema nisso?” Eu vos digo: em lugar nenhum. De fato, é crucial a exigência da população na reformulação da Base Comum Curricular para aplicar o ensino da Língua Brasileira de Sinais desde a infância, visto que mais de 5% da população brasileira é surda em algum grau segundo o IBGE, o que totaliza em torno de pelo menos 10 milhões de cidadãos, sendo destes 2,7 milhões surdos profundos (que possuem perca completa da audição). “Ah mas nem é tanto assim” — Isso literalmente comportaria toda a população existente de Portugal, então sim, há uma grande extensão da comunidade surda brasileira hoje.
No entanto, há reflexões a serem retiradas de situações como essas. Afinal, é realmente urgente esta mudança para o atendimento satisfatória da sociedade e de grupos sociais específicos no Brasil atual?
Um instante de análise
As sequências de quotes e comentários desses posts em sua grande maioria eram de pessoas assumindo um desejo enorme de aprender o idioma, de reafirmar a mesma ideia sobre a mudança da Educação, ou até de se comprometer a começar a estudar a Libras, e neste cenário eu me indaguei muito: “Quantos desses irão verdadeiramente se dedicar ao esforço de mudar a situação do momento?”.
Em hipótese alguma eu ousaria taxar alguém de mentiroso, intolerante ou preguiçoso e essa não é minha intenção neste texto, até porque eu também sou um ser humano repleto de falhas. O que me interessa aqui é trazer um minuto de ponderação sobre o assunto a qual sinto que vive sempre dentro de uma bolha social — e que precisa rapidamente ser estourada.
É realmente comum fazermos promessas a nós mesmos mas que acabamos por não sermos totalmente fiéis à ela, e por vezes até esquecemos que um dia a gente se comprometeu a cumpri-la, e isso não é diferente com a Libras. Assim como todos os idiomas que conhecemos oficialmente (por exemplo o português, espanhol, tupi-guarani, mandarim etc), a Libras também é denominada como uma língua e não uma linguagem, e tal como muitos tem facilidade ou dificuldade com idiomas como o inglês, há quem também aprenda mais rápido ou mais devagar a língua de sinais, tanto por isso e por outros diversos motivos é normal que procrastinemos em aprender uma comunicação sinalizada.
Porém, o que me incomoda quando o foco está na Libras é a habituação de ignorar sua importância, o maior índice de indisponibilidade para se aprender a sinalização do que outros idiomas estrangeiros e, principalmente, sua subestimação. Num país tão populoso e abundante com tamanha necessidade de suporte aos seus diversos problemas, ainda se insiste em aplicar uma educação que valoriza mais o “ensino” extremamente precarizado do inglês do que voltar sua atenção para a alfabetização em massa de sua própria nação.
Vulnerabilidade de conhecimento
No cenário vigente do Brasil, cerca de 11,4 milhões de pessoas acima dos 15 anos são analfabetas (CNN Brasil 2024), o que representa 7% da população total, e 21% das pessoas que possuem algum nível de deficiência auditiva também apresentam analfabetismo (Crítica Educativa Ufscar), um percentual interessante tendo ciência de que, mesmo que a Língua Brasileira de Sinais tenha sido sancionada como idioma oficial do Brasil para uso da comunidade surda (Lei n°10.436 - 24 abril 2002), pelo menos 22,4% dos que têm algum grau de dificuldade de audição não utilizam a Libras como meio de comunicação (Portal Geledés). Tendo estas informações em vista, é de fato relevante esperar que apenas a Educação se encarregue sozinha de solucionar essa problemática?

Em caso de ainda não ter sido deveras compreendido as informações trazidas anteriormente, o fato mais chocante desses dados talvez seja o de grande parte das pessoas com deficiência auditiva não possuírem conhecimento prático da Libras. Isso causa muita surpresa para a sociedade em geral, uma vez que costumam associar uma coisa a outra, e em decorrência disso acreditam que somente o ensino de língua de sinais já resolve todo o impasse. No entanto, por conta de muitos desafios no passado para se oficializar a urgência de uma comunicação exclusivamente espaço-visual, os surdos não obtiveram outra alternativa a não ser o de tomar a língua portuguesa como seu primeiro idioma — só para se ter noção, a Língua Brasileira de Sinais foi reconhecida por Lei só há pouco mais de 20 anos, é possível que quem está lendo esse texto agora seja mais velho do que essa própria Lei!
Como poderíamos esperar que as escolas sejam capazes de suprir os desafios da comunidade surda se a própria população ouvinte denuncia milhões de pessoas em situação de analfabetismo? Como ter esperança de cidadãos politizados e que pensam por si mesmos se lhes é retirado até o direito básico de escolarização?
A sociedade em sua respectiva ignorância desconhece a diversidade linguística que os deficiêntes auditivos possuem pois prefere dar importância para idiomas de fora do país do que o atendimento, auxílio e amizade entre os próprios brasileiros, a comunidade surda por si só em sua maioria sequer têm a cultura da língua de sinais e também está em vulnerabilidade de letramento, portanto, entregar toda a responsabilidade nas mãos da Educação que já possui tantos obstáculos e vive negligenciada é covardia. Sob esse viés, pra ser verdadeiramente integrado a inclusão na coletividade, apenas o ensino de Libras não basta, requer também outras formas de acessibilidade, como por exemplo legendas em todos os formatos de vídeo, e, primordialmente, que a sociedade passe a enxergar essa realidade como uma dor de cabeça diária para pessoas invisibilizadas.

A Educação brasileira é importante sim, deve ser modificada sim, mas limitar-se a isso é ignorância.
Algo que inclusive é interessante de se ressaltar, é que de fato está em andamento um Projeto de Lei desde 2019 que exige a aplicação do ensino de Libras nas escolas desde a educação básica (Ler mais), mas é curioso que, embora há tanta concordância nas redes sociais sobre essa inclusão de ensino, praticamente ninguém se mobiliza para cobrar os políticos em acelerar a sanção, e na realidade a maioria nem tem ideia de que esse PL está em processo já um pouco avançado. E nisso me vem novamente o questionamento: com tantas pessoas que são positivas quanto ao ensino de língua de sinais mas que não se comovem como deveriam em apoiar a causa, ao ser um dia aprovado essa lei, elas vão de fato dar a devida importância que merece? O que poderia efetivamente fazer as coisas mudarem sem esperar boa vontade do governo em agir senão a humanidade em si?
Mesmo as disciplinas propostas hoje na Base Comum Curricular não estão sendo capazes de nutrir todo o conhecimento para a população, sobretudo na rede pública por suas inúmeras adversidades, nem mesmo a Educação Superior consegue lidar bem com essa dificuldade, como é nos cursos de licenciatura por exemplo, a qual a matéria de Libras é muito debilitada e sem aprofundamento. Permitir que a Educação Básica agindo sozinha tome as rédeas por educar os brasileiros é um pensamento puramente raso, até porque a grande maioria que já se formou teoricamente seguiria sem receber o aprendizado.
Nisto, é dever seu e de todos nós transformar esse panorama em evidência, pois no dia de amanhã tanto o seu cliente (seja numa loja comercial até um paciente no posto de saúde) pode ser surdo, assim como o seu futuro filho, neto ou sobrinho também venha a ter qualquer dificuldade de audição, e você tem a missão de saber tratar essa pessoa com a mesma dignidade que um ouvinte possui no seu cotidiano.
É tarefa da população brasileira como um todo solucionar esse estigma, de abraçar a causa e tomar frente em trazer o mínimo de visibilidade e respeito para o sofrimento que não apenas os surdos sofrem todo dia, mas os tradutores e intérpretes também, de espalhar a informação que quebra as objeções da falta de comunicação e competência daqueles de alto poder que deveriam exercer seus trabalhos em função da garantia de dignidade de todos nós.
Aprender Libras e passa-la adiante não é apenas uma forma de carinho, empatia, cultura e conhecimento, saber Libras é um ato político, porque faz de você um cidadão que luta pela garantia dos Direitos Humanos do teu próximo, pelo reconhecimento de que todas as pessoas merecem ser respeitadas independente de sua pluraridade linguística, e não apenas vistas como números em dados estatísticos.
Um projeto de inclusão no Substack!
Tendo em vista toda essa crítica (e desabafo também haha), estou planejando abrir uma sessão nesta newsletter focada exclusivamente em Libras, contendo posts dos mais variados assuntos, tais como curiosidades do idioma, desmitificando esteriótipos, relatos pessoais das minhas experiências, e claro, muitas dicas de estudos da língua e quem sabe até formatos de aulas para vocês praticarem!
No momento ainda estou refletindo como eu poderia programar esse último tópico, mas no caso de vocês se interessarem podem deixar sugestões nos comentários e, se possível, assinar minha news para acompanhar esse projeto (que inclusive já vou encaixar este post como a primeira publicação da coluna). Agradeço a quem leu até aqui e, por favor, divulguem essa ideia para que mais pessoas tenham conhecimento dessa nossa luta e possam fazer parte da batalha contra toda a humilhação que enfrentamos recorrentemente! 🤟🏻
amiga, seu texto está simplesmente perfeito! amei demais! 💖💖
o texto incrível!!!!!!!!🤍🤍🤍